Quem cresceu nos anos 90 se lembra daquela música da Joan Osborne, “One of Us”, em que ela fica repetidamente cantarolando enquanto questiona:
– “E se Deus fosse um de nós?/ Apenas um desajeitado como nós?/Apenas um desconhecido em um ônibus tentando chegar a casa?”
Pois então, observando esta quantidade de duelos cotidianos sobre Deus, tanto nas mesas de bar quanto no Oriente Médio, a respeito do que Ele quer, quem Ele é, o que precisamos fazer para sermos bem aceitos na eternidade, me veio uma reflexão: será que Ele seria tão humano assim? Digo, será que Ele se importaria com as mesmas minúcias e detalhes com os quais nos preocupamos enquanto Ele expande o Universo e continua onipotente e onipresente?
Será que Deus realmente se importa com as piadas que fazem sobre Ele, ou são as pessoas, em seu fanatismo religioso, que se sentem extremamente ofendidas com o senso de humor mais ácido utilizado para destinatários nem sempre religiosos? E para aqueles que são cristãos: será que acreditam mesmo que Cristo era ranzinza e não ria ou fazia piadas em sua humanidade com seus amigos humildes e de simplicidade explícita? É sério mesmo que Ele nos julgará por nossas criações humorísticas enquanto há tanta guerra e miséria no mundo?
Se Deus fosse um de nós, sentado em um banco de praça, será que Ele sentiria repulsa pelos homossexuais manifestando seu afeto, da mesma forma que muitos dos seus seguidores propagam? Juram mesmo que Deus, com toda a sua sabedoria, ficaria mais horrorizado com um beijo do que com um tapa, ou com vários socos e outras formas de violência cujos alvos são aqueles que por atos não-violentos lutam pela igualdade de manifestação de seus sentimentos?
Se Deus fosse um de nós, será mesmo que estaria tão preocupado assim com o julgamento e avaliação dos métodos contraceptivos da mesma forma com que os sacerdotes estão? Que consideraria mais louvável colocar dez vidas no mundo, independentemente das circunstâncias, a planejar com responsabilidade a maneira como os filhos seriam concebidos?
Se Deus fosse um de nós estaria tão vinculado assim à forma de expressarmos a nossa fé? Ele consideraria como única religião passível de comunicação e exercício da espiritualidade aquela que escolhemos, ou teria tolerância para aceitar quaisquer das intenções manifestadas por católicos, protestantes, espíritas, umbandistas e etc.? O que torna o ser humano tão dono de Deus a ponto de determinar qual a religião certa ou errada? Qual a roupa a ser utilizada? O que as mulheres, unicamente por sua condição de mulheres, podem ou não fazer?
– “Ah, mas tudo em que creio está escrito na Bíblia”, – dirão muitos. Ocorre que, a Bíblia e outros livros sagrados a serem seguidos, são, em regra, documentos que tratam de amor e ódio, perdão e vingança, guerra e paz. É possível manipulá-lo para tudo o que quiser, até para estupros, roubos e assassinatos, basta um pouco de reflexão e maturidade daquele que o lê.
Cabe mencionar, ainda, que não observo nenhum religioso tomando remédios ou fazendo uso de quaisquer outros métodos utilizados na época em que a Bíblia foi escrita – sem amparo da ciência e tecnologia-, mas muitos querem embasar, de forma literal, suas filosofias de vida pelos mesmos critérios sociais retrógrados daquele mesmo período histórico, o que é, no mínimo, paradoxal.
A religião acompanha a humanidade desde seu início como busca de respostas, conforto, desabafo e superação de sofrimentos, o que é muito nobre e, por vezes, necessário. A partir do momento em que se utiliza deste instrumento para propagar o preconceito, a segregação, o julgamento, a intolerância, a humilhação, a fraude e o complexo de inferioridade, ocorre o maior dos contrassensos: a transformação de Deus em um de nós. Tão preconceituoso, intolerante e vingativo quanto um de nós. Tão pequeno, perseguidor e calculista quanto um de nós.
E aí, qual tipo de religioso você é? O reflexivo, maduro e libertário, ou o infantil, ignorante e apropriador?
Em qual Deus você acredita? N’Aquele que é superior – Alfa e Ômega – ou n’Aquele que é tão trivial quanto um de nós?
By Lorena Lopes, escritora, pós graduada em Direito Público e Civil.