Arquivo para Picasso

O professor

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Professores 2

A tabuada não basta. Como não bastam funções hiperbólicas, variáveis complexas, orações subordinadas. Não bastam Euclides e sua geometria, não bastam as teorias. O professor deve ensinar ao aluno a arte de viver com dignidade, com amor, com liberdade.

Não basta falar das guerras, das batalhas, das conquistas – tem que ensinar o aluno a conquistar primeiro a si próprio. Ensinar-lhe medir distâncias é pouco – é necessário vencê-las. Não basta saber o nome dos rios, temos que fluir. Equações algébricas não resolvem tudo, antes é preciso resolver-se. Em vez das mentiras históricas, o professor deve ensinar as verdades, e o melhor modo de encontrá-las.

Não basta falar de política, o professor tem que ser democrata. Deve olhar nos olhos do aluno e dizer-lhe como a vida é. Aumentar-lhe a coragem de crescer. Ensinar-lhe a lógica das emoções e o amor pelo raciocínio.

O professor transmite sabedoria, incentiva o bom senso e o bom gosto. Mergulha fundo no oceano de dúvidas que o aluno tem no coração, e traz o tesouro pulsante lá submerso. Educa, orienta, aviva a chama na consciência de cada. Ao polir a pedra bruta, consegue intenso brilhante.

Bom professor é aquele que não exige, não cobra – obtém. Não corrige – mostra o porquê. Não hesita quando avalia, não constrange quando examina. E nunca faz da nota uma espada.

O bom professor não só ensina, compreende. Não levanta a voz, amplifica o verbo, convence. É sério – mas ri da própria seriedade. Fala do êxtase, da alegria e da profunda emoção que explode no seu peito quando ensina, como pétalas no riso de quem ama.

O professor mostra ao aluno a diferença entre o silogismo e a serpente. Ensina-o a extrair raiz quadrada com poesia. Demonstra como ser ousado sem ser burro. Jamais abusa da confiança do aluno, não lhe invade o espaço, não procura condicioná-lo. Não cria relações de dependência, nem exerce dominação sádica sobre ele. Infunde-lhe o respeito absoluto pela vida. Prefere o aluno criativo ao bem-comportado. Nunca o explora, é só o conquistador de um novo mundo, que leva o aluno a ver mais – mais alto e mais longe.

Não levanta paredes em torno do aluno, e sim, derruba aquelas que houver. Abre-lhe as portas da vida, com veemência. Não o repreende, não o censura, não o recrimina. Mostra ao aluno a importância da inteligência na determinação do seu futuro. O velho dilema entre a caneta e a vassoura…

Como Sócrates, o bom professor não vê glórias no que sabe, não esconde o que conhece, nem oculta o que possa não saber. Brinca, tem confiança em si, e não faz da escola uma cela.

Moderno, convence o aluno a saltar os muros da tradição, porque a aventura está sempre do outro lado. Lógico, respeita aquele que aprendeu a questionar. Não o sufoca com preconceitos nem com juízos de valor. Nem lhe causa medo algum. Transmite confiança, pega na mão, aplaude, incentiva, suporta, conduz, ampara na travessia.

Não é hipócrita, faz o que diz e diz o que pensa. É um farol que não vela o que descobre. Mostra um caminho. E não apenas mostra – demonstra, comprova, define.

Aranha em teia de luz, o professor não prende – liberta. Carrega o giz como fosse uma flor, com amor. E quando faz a linha tem firmeza, mas não separa. Ora Dali, ora Picasso, vai colocando a tinta, pondo seu traço, amando seu gesto, compondo a canção. Enaltece o risco do sonho, o círculo do fogo, a pureza da alma, o princípio da vida, o anel da esperança.

Considera o aluno obra de arte quase inacabada. Ama-o como se fosse um anjo. E nunca vai matar-lhe no peito a vontade de ser livre.

O professor é o amigo sincero que ajuda o aluno a superar os limites da vida, desbravando com determinação e ousadia essa fantástica região chamada Experiência.

Enfim – o professor é o Mestre.

By Edson Marques, no livro “Solidão a mil”.

A arte da inquietação

Posted in Informática with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 23/02/2011 by Joe

Lupicínio Rodrigues, um compositor que não é da nossa geração, mas que todos reconhecem a importância, certa vez disse: “As mulheres que me fizeram bem eu esqueci. Só as que me fizeram mal viraram música”.

Esta declaração comprova o que muita gente já sabe: o sofrimento não é um inimigo, mas um mestre. Ele ajuda a gente a se conhecer melhor, a não repetir os mesmos erros, a amadurecer, principalmente quando o que sentimos é dor de amor. Mesmo quando a dor não é romântica, ainda assim ela tem essa serventia: pode virar quadros, filmes, livros, música. O sofrimento, que sempre queremos tão longe, tem ao menos a qualidade de nos tornar criativos.

O jazz nasceu do sofrimento dos escravos, o rock nasceu da rebeldia, o rap nasceu da necessidade dos negros reivindicarem liberdade, o samba é a alegria que ameniza o drama dos morros, o tropicalismo foi uma forma de protesto. Nenhum desses estilos musicais foram gerados por um mundo sem problemas, por pessoas com seus direitos plenamente atendidos.

A censura, uma pedra no caminho da geração que viveu a ditadura militar de Médici, fez com que muita gente precisasse dar asas à imaginação para driblá-la, como Millôr Fernandes e Paulo Francis, que escreviam em O Pasquim, Glauber Rocha, que inventou o Cinema Novo, e Leila Diniz, que ajudou as mulheres a saírem da casca.

A censura é responsável por versos memoráveis de Chico Buarque e pela irreverência de Os Mutantes.

Foram tantos os caminhos que a cultura brasileira encontrou para sobreviver aos anos de chumbo que Arnaldo Jabor chegou a declarar que a liberdade, de certo modo, acabou com o cinema nacional. É uma frase polêmica, mas compreende-se.

A Guerra Civil na Espanha gerou Guernica, um dos quadros mais espetaculares de Picasso, e a musa inspiradora de Van Gogh foi sua própria angústia.

O existencialismo de Sartre foi parido pela náusea de viver, não pelo êxtase, e a maioria dos poemas escritos no mundo são filhos da dor-de-cotovelo, da ausência do ser amado, de sonhos não atingidos, e não de uma ida espetacular ao supermercado ou de uma festa à beira de uma piscina.

Todos devem buscar uma vida plena de realizações. Mas vale lembrar que as inevitáveis dores do coração, insatisfações políticas, carências sociais e a solidão, nosso eterna companheira, podem ser recicladas em versos, roteiros e passos de dança.

Ninguém é 100% feliz. A percentagem que falta, em vez de ser transformada em rancor, inveja e rugas, será mais bem aproveitada se virar arte.

By Martha Medeiros.

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