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Lidando com a raiva

Posted in Reflexão with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 23/12/2014 by Joe

Lidando com a raiva

No livro “A Arte de Lidar Com a Raiva”, o Dalai Lama conta um historinha muito sábia.

Um eremita vivia sozinho nas montanhas. Certo dia, um pastor passou pelo refúgio do ermitão e perguntou-lhe o que estava fazendo ali no meio do nada. O eremita respondeu:

– “Estou meditando sobre a paciência”.

Silêncio.

Passado um bom tempo, o pastor virou-se para ir embora e gritou:

– “Ah, antes que eu me esqueça, vá para o inferno!!!”

E, imediatamente, o eremita, furioso, replicou:

– “Ora, vá você para o inferno!!!”

Rindo, o pastor seguiu seu caminho, não sem antes lembrar ao solitário que a paciência precisava antes de tudo ser posta em prática!

Esta história traz verdades profundas escondidas atrás de uma aparente simplicidade. Primeiro, ficamos sabendo que nossa paciência e tolerância estão sendo testadas a cada passo que damos.

Vamos lá, confira você mesmo as chances que teve hoje de estourar com alguém ou com alguma coisa! A raiva do ermitão nos faz perceber também que a paciência não é virtude que se desenvolva na solidão. Ao contrário, ela nasce do convívio.

Um rabino disse certa vez:

– “Não existe desenvolvimento espiritual fora do mundo. A gente precisa ser sábio aqui no meio dos homens, vivendo com eles, sofrendo com eles. Pular fora é fácil, mas não é para isto que estamos aqui!”

Conclusão: você pode ficar anos sem ver nenhuma criatura nem sofrer nenhuma contrariedade. No minuto em que você puser os pés no mundo de novo, os gatilhos que fazem detonar sua raiva vão estar lá, ao alcance do seu dedo.

Lidar com a raiva. Será possível? O Dalai Lama explica que a paciência e a tolerância “derivam da capacidade de permanecer firme e inabalável, de não se deixar sufocar pelas situações ou condições adversas”.

Nada a ver com sinais de fraqueza, passividade ou falta de entusiasmo. Coisas de gente débil, que aceita tudo. Não. Ao contrário, paciência e tolerância são sinais de força de caráter.

– “Pessoas que exercitam a tolerância e a paciência”, adverte o Dalai Lama, “mesmo que vivam em um ambiente agitado e estressante, conseguem manter a calma, a serenidade e a paz de espírito”.

Repararam no verbo exercitar? É isso mesmo, estes estados de alma são alcançados se você se acostumar a praticá-los. Simplesmente. Praticar a paciência, no entanto, seria um exercício vazio, se não fosse a compaixão. É ela que dá força e razão de ser para nossa vontade de melhorar e de contribuir para um mundo melhor.

– “A compaixão pode ser aproximadamente definida como um estado da mente que é não-violento, não-prejudicial, não-agressivo”, avisa o Dalai Lama, e completa: “nós possuímos, de forma inerente, este potencial ou base para a compaixão, assim como a natureza humana básica e fundamental é a gentileza”.

E, para começar, vou pegar estes dois versos do “Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva”, do sábio Shantideva, para pendurá-los na porta da minha geladeira:

“Qualquer coisa que me aconteça não vai perturbar minha alegria mental. Por me fazer infeliz, não realizarei o que desejo e minhas virtudes não vão definhar.”

– “Por que ser infeliz com alguma coisa que a gente pode consertar? E de que adianta ser infeliz com algo que não é possível remediar?”

By Dalai Lama.

Oráculos da verdade

Posted in Reflexão with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 19/03/2012 by Joe

O filósofo alemão Emmanuel Kant, num de seus brilhantes textos (O que é o Iluminismo?) sublinha um fenômeno que, na cultura televisual que hoje impera, é cada vez mais generalizado: as pessoas deixam de pensar por si mesmas. Preferem se colocar sob proteção dos “oráculos da verdade”: a revista semanal, o telejornal, o patrão, o chefe, o pároco ou o pastor.

Esses são os guardiões da verdade que velam para não nos permitir incorrer em “equívocos”. Graças a seus alertas sabemos que as mortes nas prisões de Bagdá e Guantánamo são acidentes de percurso comparadas à morte de um preso comum, disfarçado de político, num hospital de Cuba, em decorrência de uma greve de fome.

São eles que nos tornam palatáveis os bombardeios dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, dizimando aldeias, e nos fazem encarar com horror a pretensão de o Irã fazer uso pacífico da energia nuclear, enquanto seu vizinho, Israel, tem a bomba atômica.

São eles que nos induzem a repudiar o MST em sua luta por reforma agrária, enquanto o latifúndio invade a Amazônia, desmata a floresta e usa mão de obra escrava.

É isso que, na opinião de Kant, faz do público Hausvieh, “gado doméstico”, de modo que todos aceitem permanecer confinados no curral, cientes do risco de caminhar sozinho.

Kant aponta uma lista de oráculos da verdade: o mau governante, o militar, o professor, o sacerdote, etc. Todos clamam “Não pensem!” “Obedeçam!” “Paguem!” “Creiam!”. O filósofo francês Dany-Robert Dufour sugere incluir o publicitário, que hoje ordena ao rebanho de consumidores: “Não pensem! Gastem!”

Como gado, o consumidor busca sua segurança na identificação com o rebanho, capaz de tornar homogêneo seu comportamento, criando padrões universais de hábitos de consumo através de uma propaganda que imprime a sensação de ter o desejo correspondido pela mercadoria adquirida. E quanto mais cedo se inicia esse adestramento ao consumismo, maior o lucro. O ideal é cada criança com um televisor no próprio quarto.

Para se atingir esse objetivo é preciso incrementar uma cultura do egoísmo como regra de vida. Não é por acaso que quase todas as peças publicitárias se baseiam na exacerbação de um dos sete pecados capitais. Todos eles, sem exceção, são tidos como virtudes nessa sociedade neoliberal corroída pelo afã consumista.

A inveja é estimulada no anúncio da família que possui um carro melhor que o de seu vizinho. A avareza é o mote das cadernetas de poupança. A cobiça inspira as peças publicitárias, do último modelo de telefone celular ao tênis de grife. O orgulho é sinal de sucesso dos executivos assegurados por planos de saúde eterna. A preguiça fica por conta das confortáveis sandálias que nos fazem relaxar ao sol. A luxúria é marca registrada dos jovens esbeltos e das garotas esculturais que desfrutam vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Enfim, a gula envenena a alimentação infantil na forma de chocolates, refrigerantes e biscoitos, induzindo a crer que sabores são prenúncios de amores.

Na sociedade neoliberal, a liberdade se restringe à variedade de escolhas consumistas; a democracia, em votar nos que dispõem de recursos milionários para bancar a campanha eleitoral; a virtude, em pensar primeiro em si mesmo e encarar o semelhante como concorrente. Essa, a verdade proclamada pelos oráculos do sistema!

By Frei Betto, escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. Site: http://www.freibetto.org.

Oráculos da verdade

Posted in Reflexão with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 02/06/2010 by Joe

O filósofo alemão Emmanuel Kant, num de seus brilhantes textos – “O que é o Iluminismo?” – sublinha um fenômeno que na cultura televisual que hoje impera é cada vez mais generalizado: as pessoas deixam de pensar por si mesmas. Preferem se colocar sob proteção dos “oráculos da verdade”: a revista semanal, o telejornal, o patrão, o chefe, o pároco ou o pastor.

Esses os guardiões da verdade que velam para não nos permitir incorrer em “equívocos”. Graças a seus alertas sabemos que as mortes nas prisões de Bagdá e Guantánamo são acidentes de percurso comparadas à morte de um preso comum, disfarçado de político, num hospital de Cuba, em decorrência de uma greve de fome.

São eles que nos tornam palatáveis os bombardeios dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, dizimando aldeias, e nos fazem encarar com horror a pretensão de o Irã fazer uso pacífico da energia nuclear, enquanto seu vizinho, Israel, tem a bomba atômica.

São eles que nos induzem a repudiar o MST em sua luta por reforma agrária. Enquanto o latifúndio invade a Amazônia, desmata a floresta e usa mão de obra escrava.

É isso que, na opinião de Kant, faz do público Hausvieh, “gado doméstico”, de modo que todos aceitem permanecer confinados no curral, cientes do risco de caminhar sozinho.

Kant aponta uma lista de oráculos da verdade: o mau governante, o militar, o professor, o sacerdote etc. Todos clamam “Não pensem!” “Obedeçam!” “Paguem!” “Creiam!”. O filósofo francês Dany-Robert Dufour sugere incluir o publicitário, que hoje ordena ao rebanho de consumidores: “Não pensem! Gastem!”

Como gado, o consumidor busca sua segurança na identificação com o rebanho, capaz de tornar homogêneo seu comportamento, criando padrões universais de hábitos de consumo através de uma propaganda que imprime a sensação de ter o desejo correspondido pela mercadoria adquirida. E quanto mais cedo se inicia esse adestramento ao consumismo, maior o lucro. O ideal é cada criança com um televisor no próprio quarto.

Para se atingir esse objetivo é preciso incrementar uma cultura do egoísmo como regra de vida. Não é por acaso que quase todas as peças publicitárias se baseiam na exacerbação de um dos sete pecados capitais. Todos eles, sem exceção, são tidos como virtudes nessa sociedade neoliberal corroída pelo afã consumista.

A inveja é estimulada no anúncio da família que possui um carro melhor que o de seu vizinho. A avareza é o mote das cadernetas de poupança. A cobiça inspira as peças publicitárias, do último modelo de telefone celular ao tênis de grife. O orgulho é sinal de sucesso dos executivos assegurados por planos de saúde eterna. A preguiça fica por conta das confortáveis sandálias que nos fazem relaxar ao sol.

A luxúria é marca registrada dos jovens esbeltos e das garotas esculturais que desfrutam vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Enfim, a gula envenena a alimentação infantil na forma de chocolates, refrigerantes e biscoitos, induzindo a crer que sabores são prenúncios de amores.

Na sociedade neoliberal, a liberdade se restringe à variedade de escolhas consumistas; a democracia, em votar nos que dispõem de recursos milionários para bancar a campanha eleitoral; a virtude, em pensar primeiro em si mesmo e encarar o semelhante como concorrente. Esta a verdade proclamada pelos oráculos do sistema.

By Frei Betto, escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. Site: www.freibetto.org.

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