Lupicínio Rodrigues, um compositor que não é da nossa geração, mas que todos reconhecem a importância, certa vez disse: “As mulheres que me fizeram bem eu esqueci. Só as que me fizeram mal viraram música”.
Esta declaração comprova o que muita gente já sabe: o sofrimento não é um inimigo, mas um mestre. Ele ajuda a gente a se conhecer melhor, a não repetir os mesmos erros, a amadurecer, principalmente quando o que sentimos é dor de amor. Mesmo quando a dor não é romântica, ainda assim ela tem essa serventia: pode virar quadros, filmes, livros, música. O sofrimento, que sempre queremos tão longe, tem ao menos a qualidade de nos tornar criativos.
O jazz nasceu do sofrimento dos escravos, o rock nasceu da rebeldia, o rap nasceu da necessidade dos negros reivindicarem liberdade, o samba é a alegria que ameniza o drama dos morros, o tropicalismo foi uma forma de protesto. Nenhum desses estilos musicais foram gerados por um mundo sem problemas, por pessoas com seus direitos plenamente atendidos.
A censura, uma pedra no caminho da geração que viveu a ditadura militar de Médici, fez com que muita gente precisasse dar asas à imaginação para driblá-la, como Millôr Fernandes e Paulo Francis, que escreviam em O Pasquim, Glauber Rocha, que inventou o Cinema Novo, e Leila Diniz, que ajudou as mulheres a saírem da casca.
A censura é responsável por versos memoráveis de Chico Buarque e pela irreverência de Os Mutantes.
Foram tantos os caminhos que a cultura brasileira encontrou para sobreviver aos anos de chumbo que Arnaldo Jabor chegou a declarar que a liberdade, de certo modo, acabou com o cinema nacional. É uma frase polêmica, mas compreende-se.
A Guerra Civil na Espanha gerou Guernica, um dos quadros mais espetaculares de Picasso, e a musa inspiradora de Van Gogh foi sua própria angústia.
O existencialismo de Sartre foi parido pela náusea de viver, não pelo êxtase, e a maioria dos poemas escritos no mundo são filhos da dor-de-cotovelo, da ausência do ser amado, de sonhos não atingidos, e não de uma ida espetacular ao supermercado ou de uma festa à beira de uma piscina.
Todos devem buscar uma vida plena de realizações. Mas vale lembrar que as inevitáveis dores do coração, insatisfações políticas, carências sociais e a solidão, nosso eterna companheira, podem ser recicladas em versos, roteiros e passos de dança.
Ninguém é 100% feliz. A percentagem que falta, em vez de ser transformada em rancor, inveja e rugas, será mais bem aproveitada se virar arte.
By Martha Medeiros.