Há uma frase que é sempre proferida – quase beirando um chavão – quando em determinadas circunstâncias deseja-se cobrar de alguém uma postura direta, uma posição explícita ou até, uma atitude clara: Deus vomitará os mornos! Essa ameaça também serve para amedrontar aqueles que seguem pela vida afora sem nunca aproximar-se minimamente dos extremos, ficando sempre no ansiado ou proclamado como seguro “caminho do meio”, evitando-se, assim, qualquer risco de transbordamento ou ruptura da prudência.
Deus vomitará os mornos! Está lá no Apocalipse (último livro da Bíblia): “Conheço tuas obras: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te da minha boca”.
Essa admoestação colide frontalmente com um dos pilares da moral greco-romana desde a Antiguidade e que impregna com intensidade a moral do cotidiano: a virtude está no meio. (…) o que não se deve esquecer é que esse caminho pode também ser o da mediocridade. Em nome da sobriedade, da prudência e do comedimento, o máximo que se obtém em muitas situações é a mornidade mediana, regrada e constantemente refreada.
Nesse sentido, para não ser morno, é preciso ser radical. Cuidado! Em nosso vocabulário usual é feita uma oportunista confusão entre radical e sectário. Radical é aquele – como lembra a origem etimológica – que se firma nas raízes, isto é, que não tem convicções superficiais, meramente epidérmicas; radical é alguém que procura solidez nas posturas e decisões tomadas, não repousando na indefinição dissimulada e nas certezas medíocres. Por sua vez, o sectário é o que é parcial, intransigente, faccioso, ou seja, aquele que não é capaz de romper com seus próprios contornos e dirigir o olhar para outras possibilidades.
É preciso ter limites, mas, estará o limite exatamente no meio? Não é necessário ir até os extremos, mas é essencial não ficar restrito ao confortável e letárgico centro; muitas vezes o meio pode ficar anódino, inodoro, insípido e incolor. Alguns desses desejos de romper fronteiras mornas só aparecem nos epitáfios, sempre em forma nostálgica e lamentadora de um ‘eu devia ter…’ Para além da mitologia grega, não é por acaso que outros Titãs têm sido tão festejados quando cantam de forma deliciosa e perturbadora (e muitos com eles): ‘Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer; devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer”…
A sabedoria para equilibrar essas inquietações pode ser encontrada na reflexão feita no século 5 a.C. pelo filósofo chinês Confúcio:
“Eu sei por que motivo o meio-termo não é seguido: o homem inteligente ultrapassa-o, o imbecil fica aquém”.
Radicalidade é uma virtude; o vício está na superficialidade.
Do livro: “Não espere pelo epitáfio” by Mario Sergio Cortella
Editora Vozes.
Epitáfio
Titãs
Composição: Sérgio Britto
Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer…
Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe alegria
E a dor que traz no coração…
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar…
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor…
Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier…
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar… (2x)
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr …
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