Num encontro em que o teólogo brasileiro Leonardo Boff e o Dalai Lama participaram, Boff teve a oportunidade de aprender uma linda e verdadeira lição.
Ele mesmo explica:
“No intervalo de uma mesa-redonda sobre religião e paz entre os povos, na qual ambos participávamos, eu, maliciosamente, mas também com interesse teológico, lhe perguntei em meu inglês capenga:
– “Santidade, qual é a melhor religião?”
Esperava que ele dissesse:
– “É o budismo tibetano” ou “São as religiões orientais, muito mais antigas do que o cristianismo.”
O Dalai Lama fez uma pequena pausa, deu um sorriso, me olhou bem nos olhos – o que me desconcertou um pouco, por que eu sabia da malícia contida na pergunta – e afirmou:
– “A melhor religião é a que mais te aproxima de Deus. É aquela que te faz melhor.”
Para sair da perplexidade diante de tão sábia resposta, voltei a perguntar:
– “O que me faz melhor?”
Respondeu ele:
– “Aquilo que te faz mais compassivo (e aí senti a ressonância tibetana, budista, taoísta de sua resposta), aquilo que te faz mais sensível, mais desapegado, mais amoroso, mais humanitário, mais responsável… A religião que conseguir fazer isso de ti é a melhor religião!”
Calei, maravilhado, e até os dias de hoje estou ruminando sua resposta sábia e irrefutável.
Em Cisne Negro, o diretor Darren Aronofsky retorna com uma obra que aborda a fragilidade da mente humana e a perturbadora ambição que a move em busca de um sonho. “Cisne Negro”, que já acumula mais de 20 prêmios ao redor do mundo, além de concorrer em cinco categorias no Oscar 2011, é um misto de sonho e realidade que surpreende, assusta e seduz.
Desde o início é possível deduzir no que o filme se tornará no decorrer de sua trama: um pesadelo. Ambientado nos bastidores do prestigiado New York City Ballet, a trama gira em torno de Nina (Natalie Portman, aposta certa para o Oscar de Melhor Atriz), uma bailarina que se vê diante da chance de interpretar o papel principal em uma montagem de “O Lago dos Cisnes”, de Piotr Ilitch Tchaikovsky.
Insegura e sem amigos, Nina vive exclusivamente para a dança, sempre limitada à superproteção de sua mãe (a sumida Barbara Hershey, de “A Última Tentação De Cristo”). Pressionada por seu mentor e coreógrafo Thomas (Vincent Cassel, de “À Deriva”), Nina terá sua competência posta em xeque: sua fragilidade comprometeria a interpretação do papel que almeja, a Rainha dos Cisnes, visto que teria que interpretar simultaneamente o cisne branco (símbolo da pureza e ingenuidade) e o cisne negro (metáfora para a malícia, sensualidade e maldade).
O pesadelo da bailarina toma forma na figura de duas colegas de profissão: a veterana Beth (competente aparição de Winona Ryder), que foi forçada a abandonar a equipe por conta da idade, e a novata sedutora Lily (impressionante atuação de Mila Kunis, da série “That 70′s Show”). Enquanto Beth ilustra passado e futuro, Lily personifica o inimigo interno de Nina no presente.
Na busca pela perfeição e na tentativa de provar a Thomas que é capaz de expor seu lado mais selvagem, Nina é conduzida de tal forma pelo papel que interpreta que não consegue perceber os limites entre sonho e realidade, que começam a definir sua vida.
Natalie Portman, a alma do filme, brilha grandiosamente neste papel que lhe exigiu esforço intenso em conhecimento, aprimoração e domínio das técnicas de dança. Foram quase 12 meses de preparo para que a atriz conseguisse expor, de maneira plausível, o retrato de uma bailarina devorada pela ambição.
Aronofsky arquiteta uma trama de padrões narrativos complexos, cujo ritmo é determinado pela constante mudança entre sonho e realidade, que tornam o filme uma experiência sensorial inebriante.
É possível sentir na pele cada arranhão, cada sangramento, cada ferida a cicatrizar no corpo da personagem. À medida em que cresce a paranóia de Nina, cresce o interesse do espectador pelo desfecho da trama.
Seja pelo impacto do desfecho, seja pela pressão psicológica compartilhada com os personagens, o lado branco ou o lado negro do cisne interior que cada um carrega em si será convidado a se manifestar.
Enfim, um filme imperdível, que vai mexer com cada espectador de alguma forma. É a tal história do “ame-o ou deteste-o”. Só assistindo e mergulhando na trama para definir uma posição.