Arquivo para Edir Macedo

Por um fio

Posted in Atualidade, Tecnologia with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 26/01/2014 by Joe

Por um fio

Não foram poucos os cineastas que filmaram o levante das máquinas contra o Homem. Em “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, o computador HAL se cansava de computar e partia pra um motim solitário, dominando a nave com sua melancólica agressividade.

Em “Blade Runner”, androides superinteligentes saíam matando quem fosse preciso, em busca de uma recarga que estendesse seus curtos dias sobre a Terra. Em “O Exterminador do Futuro”, os robôs se davam conta de que já não precisavam mais da gente pra passar WD-40 nas juntas e, sem muita explicação, resolviam nos eliminar do planeta. Nos três casos, o embate se dava no futuro distante e o pega pra capar (ou pra desparafusar) era explícito.

Ninguém percebeu que o golpe das engrenagens já estava em marcha – e na surdina – há mais de cem anos. E como perceberia? Que mente anticlimática criaria filme tão triste em que os humanos seriam dominados não por gigantescos computadores, por replicantes perfeitos ou robôs soltando mísseis pelas ventas, mas por este aparelhinho ridículo chamado telefone?

Agora, olhando pra trás, tudo faz sentido; quase podemos ouvir o ruído da nossa liberdade sendo sugada, pouco a pouco, pelos furinhos do bocal. Ora, uma geringonça que permite que você seja encontrado em casa, a qualquer momento, por qualquer pessoa, só podia estar mal-intencionada.

Eis o plano inicial do telefone: jogar uns contra os outros, deixando os funcionários sob o controle dos chefes, as sogras próximas das noras, as ex-namoradas a poucos cliques dos bêbados; os chatos experimentaram um salto no poder de alcance inédito desde a invenção da roda.

Felizmente, enquanto o inimigo estava preso à parede, como um cão à coleira, ladrava, mas não mordia. Bastava sair de casa e o cidadão tornava-se inatingível. Ah, as novas gerações não conhecem o Éden perdido! “Onde está fulano?”, “Saiu”, “Pra onde?”, “Não sei” – e lá ia você com as mãos no bolso, assoviando, livre para beber sua cerveja no bar, para jogar boliche em Mongaguá ou fazer amor em Guadalupe.

Incapaz de nos seguir por aí, a máquina recrutou capangas: secretárias eletrônicas que esperavam o incauto cidadão voltar de suas errâncias para, como bombas-relógio, explodir afazeres, cobranças e más notícias. Bipes que, como drones, podiam bombardear um dos nossos em qualquer canto do globo.

Mesmo com bombas e drones, no entanto, até uns 20 anos atrás, ainda era possível escapar, não ouvir os recados, viver sem bipe. Então veio o golpe mortal, assustador como Daryl Hannah piruetando em direção ao Caçador de Androides, traiçoeiro como o dedo-espeto de mercúrio do Exterminador: o celular!

O verdugo não estava mais apenas em nossos lares: morava em nosso corpo. Não só falava e ouvia como fotografava, filmava, enviava cartas, bilhetes, contas, planilhas, demitia funcionários, terminava casamentos, passava clipes do Justin Bieber, sermões do Edir Macedo e oferecia promoções de operadoras às 8h11 da manhã de domingo.

Lá por 2017, o celular já era ubíquo. Pelas ruas e ônibus, pelas escolas e repartições, parques e praias, só se viam seres humanos curvados, de cabeça baixa, servis como cachorrinhos a babar sobre as telas de cristal líquido, para onde quer que se olhasse – mas quem olhava?

By Antonio Prata, para a Folha de São Paulo.

Mais do mesmo

Posted in Atualidade with tags , , , , , , , , , , , , on 03/09/2009 by Joe

Record X GloboA imprensa deu grande destaque à disputa travada entre Globo e Record nas últimas semanas.

A emissora da família Marinho se aproveitou do inquérito no qual Edir Macedo é réu e tratou de disparar contra a Record. Do ponto de vista jornalístico, a abertura de um processo contra o fundador da IURD não significa muita coisa. Só a vontade de surrar a concorrente justifica a cobertura desproporcional levada a cabo pela Globo.

A Record contra-atacou e tratou de lembrar o histórico global de pouco afeto à democracia, sua relação com os sucessivos regimes militares e as tentativas de interferência direta em processos eleitorais. Um histórico pouco louvável, diga-se, e que certamente precisa ser recordado e registrado para evitarmos coisas parecidas no futuro.

Nas duas semanas seguintes, muitos apontaram tratar-se de uma disputa puramente comercial, movida por interesses privados, e não pela determinação de informar à sociedade fatos relevantes.

Fomos lembrados, também corretamente, que a peleja é ilegal, porque ambas as emissoras utilizaram suas concessões (públicas) para defender interesses privados, e não para produzir um jornalismo movido pelo interesse público.

Nessa confusão toda, muita gente boa comemora o fato da Record estar incomodando a liderança absoluta da Globo, em termos de audiência e faturamento. Faz algum sentido, afinal, o monopólio do principal meio de comunicação do país (já que o acesso à Internet ainda engatinha no Brasil) é o que de pior pode acontecer numa nação que se pretende democrática, ou que pelo menos almeja desenvolver sua democracia.

Parece importante, contudo, olhar a ascensão da Record também sob uma outra perspectiva: na tentativa de ascender e incomodar a líder, faz-se tudo exatamente como ela. E pior.

As novelas da Record (também da Band e do SBT, claro) são cópias mal-feitas das novelas globais. O jornalismo é uma reprodução piorada. O Fantástico foi clonado. Os programas de auditório são imitações evidentes, assim como o principal programa de esporte do final de semana. Até o Gugu foi contratado para concorrer com o Faustão.

O maior símbolo da tentativa de reproduzir o que faz a Globo foi o tal A Fazenda, reprodução grosseira do já insuportável Big Brother.

Inclusive os nomes dos programas, em geral, remetem aos seus espelhos globais, de forma que o telespectador imediatamente entenda tratar-se de uma versão do que está na outra emissora: Domingo Espetacular, Esporte Fantástico, Tela Máxima, Louca Família…

Talvez a única diferença relevante da Record seja seu programa matinal, realmente sem espelho fiel na emissora do Jardim Botânico.

As outras emissoras reproduzem a mesma lógica. Se a programação da Record já é uma cópia piorada, o que dizer das outras?

A digressão evidentemente não pretende defender o monopólio da Globo. Longe de mim. Duas ou três emissoras fortes é obviamente melhor do que uma. Monopólio e liberdade de expressão não combinam. Nós brasileiros, infelizmente, sabemos bem disso.

Trata-se, acima de tudo, de chamar a atenção para o fato de que emissoras comerciais tendem a reproduzir os modelos consagrados, já que o seu objetivo é o mesmo da emissora líder: conseguir a maior audiência possível para maximizar o lucro. A família Marinho, João Carlos Saad, Silvio Santos, Edir Macedo e Amílcare Dallevo querem todos a mesma coisa.

Por isso, a ascensão de emissoras que operam na mesma lógica não necessariamente ajuda a democratizar as comunicações brasileiras. É sempre, ou quase sempre, mais do mesmo.

Vejamos o caso dos jornais impressos: a competição entre Folha de S. Paulo, Estadão e O Globo é capaz de dar voz aos diferentes setores da sociedade? Os três jornais partilham de pontos de vista semelhantes, se alinham com os setores conservadores da sociedade e são contrários aos movimentos populares e sociais. Há aí diversidade e pluralidade?

O mesmo se aplica à televisão.

Para uma verdadeira democratização da televisão, o melhor caminho é cumprir a Constituição Federal, até hoje solenemente ignorada, e construir no Brasil um vigoroso Sistema Público de Comunicação, com emissoras independentes tanto das forças de mercado quanto dos governos de plantão.

Ainda engatinhamos nessa direção, mas alguns passos foram dados recentemente com a criação da TV Brasil.

A democracia brasileira agradecerá se a iniciativa se consolidar e passar realmente a ser uma alternativa às emissoras comerciais.

By Diogo Moyses, jornalista e radialista especializado em regulação e políticas de comunicação, pesquisador do Idec – Instituto Brasileira de Defesa do Consumidor e autor de “A convergência tecnológica das telecomunicações e o direito do consumidor”.

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