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A praga do segundo casamento

Posted in Reflexão, Relacionamentos with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 23/04/2014 by Joe

Praga do segundo casamento

É bom atentar para o que o papa diz. Porta-voz de Deus na Terra, ele só pensa pensamentos divinos. Nós, homens tolos, gastamos o tempo pensando sobre coisas sem importância tais como o efeito estufa e a possibilidade do fim do mundo.

O papa Bento XVI foi direto ao que é essencial: “O segundo casamento é uma praga!”. Está certo. O casamento não pertence à ordem abençoada do paraíso.

No paraíso não havia casamento. Na Bíblia não há indicação de que as relações amorosas entre Adão e Eva tenham sido precedidas pelo cerimonial a que hoje se dá o nome de casamento: o Criador, celebrante, Adão e Eva nus, de pé, diante de uma assembleia de animais, tudo terminando com as palavras sacramentais: “E eu, Jeová, vos declaro marido e mulher. Aquilo que eu ajuntei os homens não podem separar…”

Os casamentos, o primeiro, o segundo, o terceiro, pertencem à ordem maldita, caída, praguejada, pós-paraíso. Nessa ordem não se pode confiar no amor. Por isso se inventou o casamento, esse contrato de prestação de serviços entre marido e mulher, testemunhado por padrinhos, cuja função é, no caso de algum dos cônjuges não cumprir o contrato, obrigá-lo a cumpri-lo.

Foi um padre que me ensinou isso. Ele celebrava o casamento. E foi isso que ele disse aos noivos: “O que vos une não é o amor. O que vos une é o contrato”. Aprendi então que o casamento não é uma celebração do amor. É o estabelecimento de direitos e deveres. Até as relações sexuais são obrigações a serem cumpridas. Agora imaginem um homem e uma mulher que muito se amam: são ternos, amigos, fazem amor, geram filhos.

Mas, segundo a igreja, estão em estado de pecado: falta ao relacionamento o selo eclesiástico legitimador. Ele, divorciado da antiga esposa, não pode se casar de novo porque a igreja proíbe a praga do segundo casamento. Aí os dois, já no fim da vida, são obrigados a se separar para participar da eucaristia: cada um para um lado, adeus aos gestos de ternura… Agora está tudo nos conformes. Porque Deus não enxerga o amor. Ele só vê o selo eclesial.

O papa está certo. O segundo casamento é uma praga. Eu, como já disse, acho que todos são uma praga, por não ser da ordem paradisíaca, mas da maldição. O símbolo dessa maldição está na palavra “conjugal”: do latim, “com”= junto e “jugus”= canga. Canga, aquela peça pesada de madeira que une dois bois. Eles não querem estar juntos. Mas a canga os obriga, sob pena do ferrão…

Por que o segundo casamento é uma praga? Porque, para havê-lo, é preciso que o primeiro seja anulado pelo divórcio. Mas, se a igreja admitir a anulação do primeiro casamento, terá de admitir também que o sacramento que o realizou não é aquilo que ela afirma ser: um ato realizado pelo próprio Deus. Permitir o divórcio equivale a dizer: o sacramento é uma balela. Donde, a igreja é uma balela… Com o divórcio ela seria rebaixada do seu lugar infalível e passaria a ser apenas uma instituição falível entre outras. A igreja não admite o divórcio não é por amor à família. É para manter-se divina…

A igreja, sábia, tratou de livrar seus funcionários da maldição do amor. Proibiu-os de se casarem. Livres da maldição do casamento, os sacerdotes têm a suprema felicidade de noites de solidão, sem conversas, sem abraços e nem beijos. Estão livres da praga…

By Rubem Alves.

Dos ficantes aos namoridos

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Dos ficantes aos namoridos

Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um relacionamento moderno.

Uma é a tribo dos ficantes. O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando, então, ele será seu ficante por bem menos tempo – dois minutos – e irá à procura de outra para bater o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas…

Esquece, não acho natural coisa nenhuma! Considero um desperdício de energia.

Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegue-e-use, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos.

Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.

No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido, transgênico.

Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada – namoridos não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava!

Pois, então. A ideia é boa e prática. Só que o índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa quentíssima, a melhor que há.

Trata-se do namoro – alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.

Namoro é quando não se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor.

Namoro é teste, é amostra, é ensaio e, por isso, a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa – e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.

Namoro é como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo e revolucionário. O poeta Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é para sempre. É ele quem encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida:

– “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante”.

By Martha Medeiros.

Sobre o casamento

Posted in Reflexão with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 27/07/2012 by Joe

É bom atentar para o que o papa diz. Porta-voz de Deus na Terra, ele só pensa pensamentos divinos. Nós, homens tolos, gastamos o tempo pensando sobre coisas sem importância tais como o efeito estufa e a possibilidade do fim do mundo.

O papa vai direto ao que é essencial: “O segundo casamento é uma praga!”. Está certo. O casamento não pertence à ordem abençoada do paraíso.

No paraíso não havia casamento. Na Bíblia não há indicação de que as relações amorosas entre Adão e Eva tenham sido precedidas pelo cerimonial a que hoje se dá o nome de casamento: o Criador, celebrante, Adão e Eva nus, de pé, diante de uma assembleia de animais, tudo terminando com as palavras sacramentais: “E eu, Jeová, vos declaro marido e mulher. Aquilo que eu ajuntei os homens não podem separar…”

Os casamentos, o primeiro, o segundo, o terceiro, pertencem à ordem maldita, caída, praguejada, pós-paraíso. Nessa ordem não se pode confiar no amor. Por isso se inventou o casamento, esse contrato de prestação de serviços entre marido e mulher, testemunhado por padrinhos, cuja função é, no caso de algum dos cônjuges não cumprir o contrato, obrigá-lo a cumpri-lo.

Foi um padre que me ensinou isso. Ele celebrava o casamento. E foi isso que ele disse aos noivos: “O que vos une não é o amor. O que vos une é o contrato”. Aprendi então que o casamento não é uma celebração do amor. É o estabelecimento de direitos e deveres. Até as relações sexuais são obrigações a serem cumpridas. Agora imaginem um homem e uma mulher que muito se amam: são ternos, amigos, fazem amor, geram filhos.

Mas, segundo a igreja, estão em estado de pecado: falta ao relacionamento o selo eclesiástico legitimador. Ele, divorciado da antiga esposa, não pode se casar de novo porque a igreja proíbe a praga do segundo casamento. Aí os dois, já no fim da vida, são obrigados a se separar para participar da eucaristia: cada um para um lado, adeus aos gestos de ternura… Agora está tudo nos conformes. Porque Deus não enxerga o amor. Ele só vê o selo eclesial.

O papa está certo. O segundo casamento é uma praga. Eu, como já disse, acho que todos são uma praga, por não ser da ordem paradisíaca, mas da maldição. O símbolo dessa maldição está na palavra “conjugal”: do latim, “com”= junto e “jugus”= canga. Canga, aquela peça pesada de madeira que une dois bois. Eles não querem estar juntos. Mas a canga os obriga, sob pena do ferrão…

Por que o segundo casamento é uma praga? Porque, para havê-lo, é preciso que o primeiro seja anulado pelo divórcio. Mas, se a igreja admitir a anulação do primeiro casamento, terá de admitir também que o sacramento que o realizou não é aquilo que ela afirma ser: um ato realizado pelo próprio Deus. Permitir o divórcio equivale a dizer: o sacramento é uma balela. Donde, a igreja é uma balela… Com o divórcio ela seria rebaixada do seu lugar infalível e passaria a ser apenas uma instituição falível entre outras. A igreja não admite o divórcio não é por amor à família. É para manter-se divina…

A igreja, sábia, tratou de livrar seus funcionários da maldição do amor. Proibiu-os de se casarem. Livres da maldição do casamento, os sacerdotes têm a suprema felicidade de noites de solidão, sem conversas, sem abraços e nem beijos. Estão livres da praga…

By Rubem Alves.

Conjugando o conjugal

Posted in Relacionamentos with tags , , , , , on 03/12/2009 by Joe

Palavra para a qual raramente se atina é conjugal. Por que conjugal? Porque viver junto (não me refiro apenas ao casamento contratual tradicional) é conjugar.

Conjugar é viver todos os tempos e pessoas dos verbos. É saber ser eu, ser tu, ser ele, ser nós, ser vós e ser eles, sem perda da individualidade fundamental.

Conjugar é viver vários tempos – presente, passado e futuro – e várias pessoas em nós.

Conjugar é, pois, articular a complexidade de cada ser com a complexidade do parceiro/a.

Mas conjugar é, também, com+jugo. É estar com o jugo amoroso do outro. É com jugar. Não é subjugar (como no machismo tradicional). É estar não sob o jugo, mas com o jugo (compreensivo e amoroso) do outro. É estar com a vivência do amor em todas as pessoas (eu, tu, ele, nós, vós, eles). É ser vários em um. É uma troca permanente e não a imposição de uma das partes.

Conjugal, cônjuge, portanto, mais do que a palavra tornada fria pelo uso, possui o sentido profundo de conjugação, integração, articulação do par amoroso, através de uma união que pode se chamar casamento, amor, amizade colorida, transa, tanto faz. Cônjuge é quem conjuga com e não quem mora com ou tem o papel assinado ratificando o caráter legal da união.

Para conjugar o verbo amar é preciso conjugar o verbo ser. O amar é um exercício de felicidade, não de poder.

By Artur da Távola.

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