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Saúde mental

Posted in Reflexão, Saúde with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 21/03/2014 by Joe

Saúde mental

Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.

Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei.

Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakovski suicidou-se. Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas será que tinham saúde mental?

Saúde mental, essa condição em que as ideias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é uma coisa perigosa…

Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvi falar de político que tivesse depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente “equipamento duro”, e a outra denomina-se software, “equipamento macio”.

Hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades “espirituais” – símbolos que formam os programas e são gravados mas mídias (CDs, DVDs, Pen-drives, HDs). Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo “espirituais”, sendo que o programa mais importante é a linguagem.

Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos; somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso dos símbolos; eles podem vir de poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, pastores, amigos e até mesmo psicanalistas …

Acontece, entretanto, que esse computador, que é o corpo humano, tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco?

Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção!

Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio: a música que saía de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou. Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, “saúde mental” até o fim dos seus dias.

Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música: Brahms, Mahler, Wagner, Bach são especialmente contra-indicados. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Tranquilize-se, há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do autor Lair Ribeiro, por que se arriscar lendo Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Sílvio Santos e do Faustão.

Seguindo essa receita você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar o tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram…

By Rubem Alves, do livro “Sobre o tempo e a eternidade” Editora Papirus, 1996.

Mischa Maisky em “Bach Cello Suite No.1 in G”

Posted in Música with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 16/06/2013 by Joe

Mischa Maisky

É provável que Bach escreveu suas “Cello Suites” entre 1717-1723, quando ele estava servindo como mestre de capela em Köthen, junto com seus outros triunfos seculares famosos, incluindo os “Concertos de Brandemburgo” e “O Cravo Bem Temperado”. Eles são, sem dúvida, algumas das peças mais emocionalmente intensas no repertório barroco, aproveitando ao máximo a profundidade emocional de um violoncelo solo e utilizando uma ampla gama de técnicas de jogo complexas.

Há seis suites no total, cada um com seis movimentos, cada qual agindo como uma conversa musical – passagens elevadas encontram eco reflexivo em baixo playing, e os acordes densos acompanham delicados floreios ornamentais. O movimento mais famoso, o “Prelude” da Suite No. 1 em G, é um ótimo exemplo da genialidade de Bach, onde não há nenhum acompanhamento, mas a harmonia se desenrola nota por nota como uma viagem musical, com os acordes implícitos sobre o decurso do tempo, em vez de visitados.

Não existem manuscritos sobreviventes de própria mão de Bach, e para os músicos só restou uma cópia escrita por sua segunda esposa, Anna Magdalena. Seu papel como uma escriba levou inclusive alguns historiadores musicais para pintá-la como uma espécie de Bacon de “Shakespeare de Bach”, com a sugestão de que ela mesma escreveu muitas das suites. É, talvez, o mais surpreendente que estas incríveis obras não foram amplamente conhecidas antes de 1900, e foram simplesmente descartados como estudos.

O video de hoje nos traz a apresentação das seis suites, com seus seis movimentos, na interpretação de Mischa Maisky, violoncelista clássico, nascido na Letônia onde estudou no Conservatório de Riga, seguindo depois seus estudos em Leningrado. Aos 17 anos venceu o concurso nacional de violoncelo, e um ano mais tarde foi premiado no Concurso Internacional Tchaikovsky, e começou então a estudar com Rostropovich no Conservatório de Moscou, e a dar uma série de concertos por toda a União Soviética.

Depois de ter estado preso num campo de trabalhos forçados por 18 meses, parte para Israel, onde residiu durante algum tempo, e adquiriu uma nova nacionalidade. Na sua carreira contam-se inúmeros espectáculos nas melhores salas do Mundo como Londres, Paris, Viena, Berlim, Nova Iorque e Tóquio, entre outros.

Em 1985 Mischa tornou-se artista exclusivo da Deutsche Grammophon, e recebeu três prêmios da Academia de Tóquio pelas suas muitas gravações, que incluem por exemplo: as duas Suites para Violoncelo Solo de J.S.Bach, sonatas de Bach e Beethoven, entre outras. Do seu repertório contam-se ainda obras de Schubert, Tchaikovsky e Dmitri Shostakovitch, Brahms, entre outros. Mischa vive agora na Bélgica.

By Joemir Rosa.

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