Arquivo para Audiência

A marca que você deixa

Posted in Comportamento with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 12/11/2014 by Joe

Telefone antigo

Quando eu era criança, bem novinho, meu pai comprou o primeiro telefone da nossa vizinhança. Eu ainda me lembro daquele aparelho preto e brilhante que ficava na cômoda da sala.

Eu era muito pequeno para alcançar o telefone, mas ficava ouvindo fascinado enquanto minha mãe falava com alguém.

Então, um dia eu descobri que dentro daquele objeto maravilhoso morava uma pessoa legal. O nome dela era “Uma informação, por favor” e não havia nada que ela não soubesse.

“Uma informação, por favor” poderia fornecer qualquer número de telefone e até a hora certa. Minha primeira experiência pessoal com esse “gênio fantástico” veio num dia em que minha mãe estava fora, na casa de um vizinho.

Eu estava na garagem mexendo na caixa de ferramentas quando bati em meu dedo com um martelo. A dor era terrível mas não adiantaria chorar, já que não tinha ninguém em casa para me socorrer. Eu andava atônito pela casa, chupando o dedo dolorido, até que pensei:

– “O telefone!”

Rapidamente, fui ate o porão, peguei uma pequena escada que coloquei em frente à cômoda da sala. Subi na escada, tirei o fone do gancho e segurei firmemente junto ao ouvido. Alguém atendeu e eu disse:

“Uma informação, por favor”.

Ouvi uns dois ou três cliques e uma voz suave e nítida falou em meu ouvido:

– “Informações.”

– “Eu machuquei meu dedo…”, disse, e as lágrimas vieram facilmente, agora que eu tinha audiência.

– “A sua mãe não está em casa?”, ela perguntou.

– “Não, não tem ninguém aqui comigo agora…”, eu soluçava.

– “Está sangrando?”

– “Não”, respondi , “Eu machuquei o dedo com o martelo, mas ta doendo…”

– “Você consegue abrir o congelador?”, ela perguntou.

– “Sim”, eu respondi.

– “Então pegue um cubo de gelo e passe suavemente no seu dedo”, disse a voz.

Depois daquele dia, eu ligava para “Uma informação, por favor” por qualquer motivo. Ela me ajudou com as minhas dúvidas de geografia e me ensinou onde ficava a Filadélfia. Ela me ajudou com os exercícios de matemática. Ela me ensinou que o pequeno esquilo que eu trouxe do bosque deveria comer nozes e frutinhas.

Então, um dia, meu canário, morreu. Eu liguei para “Uma informação, por favor” e contei o ocorrido. Ela escutou e começou a falar aquelas coisas que se dizem para uma criança que está crescendo.

Mas eu estava inconsolável. Eu perguntava:

– “Por que é que os passarinhos cantam tão lindamente trazendo tanta alegria pra gente para, no fim, acabar como um monte de penas no fundo de uma gaiola?”

Ela deve ter compreendido a minha preocupação, porque acrescentou, mansamente:

– “Paul, sempre lembre que existem outros mundos onde a gente pode cantar também…”

De alguma maneira, depois disso eu me senti bem melhor. E, no outro dia, lá estava eu de novo. “Informações”, disse a voz já tão familiar.

– “Você sabe como se escreve ‘exceção’?”

Tudo isso aconteceu na minha cidade natal, ao norte do Pacifico. Quando eu tinha 9 anos, nós nos mudamos para Boston. Eu sentia muita falta da minha amiga.

“Uma informação, por favor” pertencia àquele velho aparelho telefônico preto e eu não sentia nenhuma atração pelo nosso novo aparelho telefônico branquinho que ficava na nova cômoda da nova sala.

Conforme eu crescia, as lembranças daquelas conversas infantis nunca saíam da minha memória. Frequentemente, em momentos de dúvida ou perplexidade, eu tentava recuperar o sentimento calmo de segurança que eu tinha naquele tempo.

Hoje eu entendo como ela era paciente, compreensiva e gentil ao perder tempo atendendo as ligações de um menininho.

Alguns anos depois, quando estava indo para a faculdade, meu avião teve uma escala em Seattle. Eu teria mais ou menos uma hora entre os dois vôos. Resolvi telefonar para minha irmã, que havia se mudado para lá há alguns meses. Como não sabia o novo número, resolvi pedir informação.

Então, sem nem mesmo sentir, disquei o número da operadora daquela minha cidade natal e pedi:

“Uma informação, por favor.”

Como num milagre, eu ouvi a mesma voz doce e clara que conhecia tão bem, dizendo:

– “Informações.”

Eu não tinha planejado isso, mas me peguei perguntando:

– “Você sabe como se escreve ‘exceção’?”

Houve uma longa pausa. Então, veio uma resposta suave:

– “Eu acho que o seu dedo já melhorou, Paul.”

Eu ri.

– ” Então, é você mesma!”, eu disse. “Você não imagina como você era importante para mim naquele tempo.”

– “Eu imagino”, ela disse.

– “E você não sabe o quanto significavam para mim aquelas ligações. Eu não tenho filhos e ficava esperando todos os dias para que você ligasse.”

Eu contei para ela o quanto pensei nela todos esses anos e perguntei se poderia visitá-la quando fosse encontrar a minha irmã.

– “É claro!”, ela respondeu. “Venha até aqui e peça para chamar a Sally.”

Três meses depois eu fui a Seattle visitar minha irmã. Quando liguei, uma voz diferente respondeu :

– “Informações.”

Eu pedi para chamar a Sally.

– “Você é amigo dela?”, a voz perguntou.”

– “Sou, sim, um velho amigo. O meu nome é Paul.”

– “Eu sinto muito, mas a Sally estava trabalhando aqui apenas meio período porque estava doente. Infelizmente, ela morreu há cinco semanas.”

Antes que eu pudesse desligar, a voz perguntou:

– “Espere um pouco… Você disse que o seu nome é Paul?”

– “Sim.”

– “A Sally deixou uma mensagem para você. Ela escreveu e pediu para eu guardar, caso você ligasse. Eu vou ler pra você.”

A mensagem dizia:

– “Diga a ele que eu ainda acredito que existam outros mundos onde a gente pode cantar também. Ele vai entender.”

Eu agradeci e desliguei.

Eu entendi…

Nunca substime a marca que você deixa nas pessoas!

Desconheço a autoria.

Mais do mesmo

Posted in Atualidade with tags , , , , , , , , , , , , on 03/09/2009 by Joe

Record X GloboA imprensa deu grande destaque à disputa travada entre Globo e Record nas últimas semanas.

A emissora da família Marinho se aproveitou do inquérito no qual Edir Macedo é réu e tratou de disparar contra a Record. Do ponto de vista jornalístico, a abertura de um processo contra o fundador da IURD não significa muita coisa. Só a vontade de surrar a concorrente justifica a cobertura desproporcional levada a cabo pela Globo.

A Record contra-atacou e tratou de lembrar o histórico global de pouco afeto à democracia, sua relação com os sucessivos regimes militares e as tentativas de interferência direta em processos eleitorais. Um histórico pouco louvável, diga-se, e que certamente precisa ser recordado e registrado para evitarmos coisas parecidas no futuro.

Nas duas semanas seguintes, muitos apontaram tratar-se de uma disputa puramente comercial, movida por interesses privados, e não pela determinação de informar à sociedade fatos relevantes.

Fomos lembrados, também corretamente, que a peleja é ilegal, porque ambas as emissoras utilizaram suas concessões (públicas) para defender interesses privados, e não para produzir um jornalismo movido pelo interesse público.

Nessa confusão toda, muita gente boa comemora o fato da Record estar incomodando a liderança absoluta da Globo, em termos de audiência e faturamento. Faz algum sentido, afinal, o monopólio do principal meio de comunicação do país (já que o acesso à Internet ainda engatinha no Brasil) é o que de pior pode acontecer numa nação que se pretende democrática, ou que pelo menos almeja desenvolver sua democracia.

Parece importante, contudo, olhar a ascensão da Record também sob uma outra perspectiva: na tentativa de ascender e incomodar a líder, faz-se tudo exatamente como ela. E pior.

As novelas da Record (também da Band e do SBT, claro) são cópias mal-feitas das novelas globais. O jornalismo é uma reprodução piorada. O Fantástico foi clonado. Os programas de auditório são imitações evidentes, assim como o principal programa de esporte do final de semana. Até o Gugu foi contratado para concorrer com o Faustão.

O maior símbolo da tentativa de reproduzir o que faz a Globo foi o tal A Fazenda, reprodução grosseira do já insuportável Big Brother.

Inclusive os nomes dos programas, em geral, remetem aos seus espelhos globais, de forma que o telespectador imediatamente entenda tratar-se de uma versão do que está na outra emissora: Domingo Espetacular, Esporte Fantástico, Tela Máxima, Louca Família…

Talvez a única diferença relevante da Record seja seu programa matinal, realmente sem espelho fiel na emissora do Jardim Botânico.

As outras emissoras reproduzem a mesma lógica. Se a programação da Record já é uma cópia piorada, o que dizer das outras?

A digressão evidentemente não pretende defender o monopólio da Globo. Longe de mim. Duas ou três emissoras fortes é obviamente melhor do que uma. Monopólio e liberdade de expressão não combinam. Nós brasileiros, infelizmente, sabemos bem disso.

Trata-se, acima de tudo, de chamar a atenção para o fato de que emissoras comerciais tendem a reproduzir os modelos consagrados, já que o seu objetivo é o mesmo da emissora líder: conseguir a maior audiência possível para maximizar o lucro. A família Marinho, João Carlos Saad, Silvio Santos, Edir Macedo e Amílcare Dallevo querem todos a mesma coisa.

Por isso, a ascensão de emissoras que operam na mesma lógica não necessariamente ajuda a democratizar as comunicações brasileiras. É sempre, ou quase sempre, mais do mesmo.

Vejamos o caso dos jornais impressos: a competição entre Folha de S. Paulo, Estadão e O Globo é capaz de dar voz aos diferentes setores da sociedade? Os três jornais partilham de pontos de vista semelhantes, se alinham com os setores conservadores da sociedade e são contrários aos movimentos populares e sociais. Há aí diversidade e pluralidade?

O mesmo se aplica à televisão.

Para uma verdadeira democratização da televisão, o melhor caminho é cumprir a Constituição Federal, até hoje solenemente ignorada, e construir no Brasil um vigoroso Sistema Público de Comunicação, com emissoras independentes tanto das forças de mercado quanto dos governos de plantão.

Ainda engatinhamos nessa direção, mas alguns passos foram dados recentemente com a criação da TV Brasil.

A democracia brasileira agradecerá se a iniciativa se consolidar e passar realmente a ser uma alternativa às emissoras comerciais.

By Diogo Moyses, jornalista e radialista especializado em regulação e políticas de comunicação, pesquisador do Idec – Instituto Brasileira de Defesa do Consumidor e autor de “A convergência tecnológica das telecomunicações e o direito do consumidor”.

%d blogueiros gostam disto: