A arte de ser feliz
Na Grécia antiga, quase todas as esculturas eram feitas em bronze ou em mármore.
Os mestres se dividiam segundo suas preferências, mas era tamanho o seu talento que, fosse com pedra, fosse com metal, nunca deixaram de produzir obras-primas de qualidade, habituando o povo grego ao convívio diário com a arte e a beleza.
Os que esculpiam o mármore, contudo, tinham uma superioridade natural sobre todos os demais. Para fazer uma estátua, o artista do bronze construía com sarrafos uma figura humana, com pernas e braços estilizados, e ia “vestindo” esse esqueleto com argila até produzir uma versão acabada da obra que imaginara, de onde então sairia o molde necessário para a fundição definitiva.
Seu trabalho, semelhante ao dos pintores, era acrescentar camada por camada até atingir a forma pretendida – exatamente o inverso, portanto, do caminho seguido pelo artista do mármore, que precisava libertar, lasca após lasca, a forma que estava encerrada dentro da pedra.
Essa mesma ideia foi defendida, muitos séculos depois, por Michelângelo, gênio do Renascimento: “há uma escultura escondida dentro de cada bloco de mármore; para que ela possa vir à luz, o artista só precisa, com paciência e delicadeza, eliminar aquilo que está sobrando”.
“Pois isso que o artista faz com o mármore,” dizia Epicuro, “nós deveríamos fazer com nós mesmos.”
Como essas formas que jazem à espera da mão que as liberte, vivemos encerrados no duro granito das convenções vazias, dos desejos irrealizados e das esperanças enganadoras.
“O sábio deve esculpir sua própria estátua” é um preceito que nunca esteve tão atual quanto agora, neste mundo de puro consumo e aparência. E não se trata de louvar a renúncia e o sacrifício, mas de valorizar, com alegria, aquilo que realmente importa, ou, como disse outro sábio, “não é que eu deva me conformar com pouco, mas sim, se eu não tiver muito, que este pouco me baste”.
Adeptos desse princípio, poetas e filósofos deixaram suas receitas pessoais para uma vida feliz, todas muito parecidas: uma casa cômoda, fresca no verão, aquecida no inverno; a saúde, o bom tempo, a chuva generosa – lá fora; as flores na janela, as frutas da estação, a mesa farta, com sabores simples e sinceros; a mente em paz, o sono tranquilo ao lado de quem se ama; o olhar límpido das crianças; alguns amigos, com alma semelhante à nossa; o sossego, na companhia de muitos livros e de muita música.
Não esperar nada dos poderosos; querer ser o que se é, e não preferir nada mais; não temer o fim, nem desejar que ele chegue; aprender, em suma, a saborear o puro prazer de existir – isso é viver.
By Claudio Moreno.
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This entry was posted on 24/12/2014 at 7:03 and is filed under Reflexão with tags Alegria, Alma, Amigos, Aparência, Argila, Arte, Artista, Beleza, Braços, Bronze, Casa, Chuva, Claudio Moreno, Companhia, Consumo, Convenções, Crianças, Delicadeza, Desejos, Epicuro, Escultura, Esculturas, Esperanças, Esqueleto, Estação, Estátua, Figura humana, Filósofos, Flores, Frutas, Fundição, Gênio, Granito, Grécia, Grego, Inverno, Janela, Lasca, Livros, Luz, Mármore, Mão, Música, Mesa, Mestres, Metal, Michelângelo, Molde, Obras-primas, Olhar, Paciência, Pedra, Pernas, Pintores, Poetas, Povo, Prazer, Preferências, Renascimento, Renúncia, Saúde, sacrifício, Sarrafos, Sábio, Sossego, Talento, Tempo, Trabalhos, Verão. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed. You can leave a response, or trackback from your own site.
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