Amar por inteiro
O texto a seguir é uma carta dirigida ao povo francês, escrita por Danielle Miterrand, esposa do ex-presidente da França, François Miterrand, após ter recebido críticas impiedosas por ter permitido a presença da amante do marido, Anne Pingeot, e a filha dos dois, Mazarine, na cerimônia fúnebre.
“Antes de mais nada devo deixar claro que não é um pedido de desculpas. Muito menos um enunciado de justificativas vãs, comum aos covardes ou àqueles que vivem preocupados em excesso com a opinião dos outros.
Aos 71 anos, vivendo a hora do balanço de uma existência que é um sulco bem traçado e profundo, já não mais preciso, e nem devo, correr atrás de possíveis enganos.
Vivo o momento em que as sombras já esclarecem e que as ausências são lindas expressões de perenidade e criação. Sombras e ausências podem ser tudo, ao passo que luzes e presenças confundem os mais precipitados, os mais jovens.
Vivi com François por 51 anos; estive com ele grande parte desse tempo e me coloquei sempre. Há mulheres que não se colocam, embora estejam; que não se situam, embora componham o cenário da situação presumível.
Uma vida de altos e baixos. Na época da Resistência nunca sabíamos onde iríamos passar a noite – se na cama, na prisão, nos bosques ou estendidos por toda a eternidade.
Quando se vive assim em comum, cria-se uma solda e a consciência de que é preciso viver depressa. Concentrar talvez seja a palavra. Por isso tentei entendê-lo, relacionar-me com sua complexidade, com as variações de sua pessoa e não de seu caráter.
Quem entende ou, pelo menos, luta para compreender as variações do outro, o ama realmente. E nunca poderá dizer que foi enganada ou que jamais enganou. Não nos enganamos. Nos confundimos quando nos perdemos da identidade vital do parceiro, familiar ou irmão. Ou jamais os conhecemos, não é um engano. Quem não conhece, não tem enganos.
Nas variações do outro não cabe o apaziguador que destrói tudo antes do tempo, em forma de tranquilidade.
Uma relação a dois não deve ser apaziguada, mas vibrante, apaixonada, e não, enfastiada. Nessa complexidade, vi que meu marido era tão meu amante quanto da política.
Vi, também, que como um homem sensível, ele poderia se enamorar, se encantar com outras pessoas, sem deixar de me amar.
Achar que somos feitos para um único e fiel amor é hipocrisia, conformismo. É preciso admitir, docemente, que um ser humano é capaz de amar apaixonadamente alguém e depois, com o passar dos anos, amar de forma diferente.
Não somos o centro amorável do mundo do outro. É preciso aceitar, também, outros amores que passam a fazer parte desse amor como mais uma gota de água que se incorpora ao nosso lago. Simone de Beauvoir dizia bem que temos amores necessários e amores contingentes ao longo da vida.
Aceitei a filha de meu marido e hoje recebo mensagens do mundo inteiro, de filhos angustiados que me dizem “Obrigado por ter aberto um caminho. Meu pai vai morrer, mas eu não poderia ir ao enterro porque a mulher dele não aceitava”.
É preciso viver sem mesquinhez, sem um sentido pequeno, lamacento, comum aos moralistas, aos caluniadores e aos paranóicos azedos que teimam em sujar tudo.
Espero que as pessoas sejam generosas e amplas para compreender e amar seus parceiros em suas dúvidas, fragilidades, divisões e pequenas paixões.
Isso é amar por inteiro e ter confiança em si mesmo”.
By Danielle Miterrand.
Comentário anônimo que circula pela Internet: “É um auto-de-fé no amor, na elegância, na generosidade e na lealdade a quem se ama!”
Assino embaixo!
29/05/2014 às 19:28
Grande senhora. Ela não teve pejo em assumir o amor por seu marido, mesmo sabendo que teve outra, o que não significa que não a amava. Mais, teve um ato de muita dignidade e de quem sabe separar as águas, ao deixar a filha do marido e da suposta amante assistir ao velório. Pois a filha merecia isso. Se efetivamente havia quem cometesse um erro, ela não teria que ser prejudicada por tal. Há tanta gente que sabe que o marido lhe é infiel e tenta manter a máscara. Ela foi humilde e de grande elegância ao assumir o que se passava. Pois foi o homem que sempre amou. E mais uma vez o demonstrou com esta declaração.
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29/05/2014 às 20:07
Aplausos de pé!! abçs
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29/05/2014 às 21:47
Para vc ver, minha tem um pai ausente e a atual mulher dele nada faz para aproximá-los, é uma pessoa arrogante, mal-educada pois só sabe me xingar por eu ter tido uma filha com o marido dela, hoje casada com ele. Na época ele era solteiro e namorava comigo. Só que não assumiu a filha que já tem 29 anos. Ela fica triste com isso e revoltada. Carente de pai.
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