A unanimidade inteligente
Muitas pessoas, sem pensar, usam a terrível afirmação de Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”. E imagino que Nelson chamaria de “cretinos fundamentais” ou de “grã-finas com narinas de cadáver” (dependendo do caso) aqueles a quem ouvisse repetir esta sua famosa frase.
Trata-se de uma frase de efeito. Como aquela outra: “Nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais”. Ou esta: “Um suicida já nasce suicida”. Expressões que Nelson colecionava para nos fazer refletir, provocar polêmica, e não para encerrar discussões ou aumentar o número de lugares-comuns.
Frase de efeito que é também armadilha de Nelson. Quando todo mundo concordar que toda a unanimidade é burra ficará comprovado que toda a unanimidade é burra mesmo!
A palavra “unanimidade” vem do latim unanimis. Significa, simplesmente, que duas ou mais pessoas vivem com um (unus) só ânimo (animus).
Em dados contextos, sim, a unanimidade pode ser burra. É burrice todos obedecerem cegamente a uma ordem que vem não se sabe de onde, com finalidades obscuras ou inconfessáveis. É burrice, por exemplo, comprarmos um livro pelo único fato de ele constar da lista dos mais vendidos.
Já um time de futebol bem treinado, uma equipe de trabalho bem articulada, dois amigos leais, um casal que pensa e age em harmonia são exemplos de unanimidade inteligente.
Unanimidade inteligente começa na alma de cada um. Começa na individualidade. Na luta pessoal contra as nossas intolerâncias, contra essa tendência a só sentir as próprias dores, a observar o mundo pelo buraco de um canudinho.
Unanimidade inteligente requer a liberdade de distinguir entre o direito nosso de questionar e o dever nosso de comprometer-nos. Requer, mais ainda, a capacidade de reconhecer que podemos estar errados e a maioria estar certa…
Existem unanimidades excepcionais. Os especialistas da educação são unânimes, por exemplo, ao afirmar que todo aluno pode descobrir o prazer de aprender. Esta verdade ajudará os professores a trabalharem com ânimo e esperança.
Espero que sejamos unânimes, também, quanto a certas ideias e valores que nos obrigam a repensar nossa conduta, pedir perdão, desdizer o que dissemos, enfim, melhorarmos como pessoas.
O ser humano é perfectível. Seremos mais humanos se formos unânimes naquilo que valha a pena. A melhor forma de vencer a unanimidade burra é participar da unanimidade inteligente.
By Gabriel Perissé, coordenador pedagógico do Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa e autor do livro “A arte de ensinar”, pela Editora Montiei.
Curiosidade: segundo o historiador Romero Garcia, esta frase teria sido dita por Rudolph Hess à sua prima, quando Adolph Hitler se intitulou “Fuher” e todos foram unanimes, concordando. Nelson Rodrigues apenas teria se apropriado da frase, tirada de um artigo sobre a ascensão e queda do nazismo.
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This entry was posted on 05/11/2013 at 6:07 and is filed under Reflexão with tags Adolph Hitler, Afirmação, Alma, Aluno, Amigos, Apanhar, Armadilha, Artigo, Ânimo, Buraco, Burra, Cadáver, Canudinho, Capacidade, Casal, Conduta, Contextos, Cretinos, Dever, Direito, Discussões, Dores, Educação, Efeito, Equipe, Especialistas, Esperança, Expressões, Finalidades, Frase, Fuher, Futebol, Gabriel Perissé, Grã-finas, Harmonia, Ideias, Individualidade, Inteligente, Intolerâncias, Liberdade, Lista, Livro, Luta, Mulher, Mundo, Narinas, Nazismo, Nelson Rodrigues, Normais, Ordem, Perdão, Pessoal, Pessoas, Polêmica, Prazer, Prima, Professores, Romero Garcia, Rudolph Hess, Ser humano, Suicida, Tendência, Time, Unanimidade, Valores, Vencer, Verdade. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed. You can leave a response, or trackback from your own site.
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